A compreensão do Futsal como um fenômeno sistêmico é um dos principais enfoques desse espaço virtual.
Sistêmico porque ele não pode ser compreendido de maneira fracionada. Jogar Futsal não é um simples somatório de fundamentos, mas sim uma grande teia complexa de ações que geram re-ações, às quais novas ações e novas re-ações se originam, dentro de um círculo ininterrupto de novos problemas e novas soluções.
Um dos principais fatores que demonstram a característica sistêmica do jogo de Futsal está na sua compreensão como um “jogo de perguntas e respostas”.
Existe uma infinidade de jogos de perguntas e respostas. Se pensarmos sob a ótica da “família dos jogos” defendida por Scaglia (2003) pode-se até mesmo colocar o Futsal dentro de uma mesma família de jogos do que, por exemplo, o famoso jogo do “é, não e por que”.
No jogo de “é, não e porque”, jogam pelo menos dois jogadores. Um jogador é o responsável por formular perguntas e o outro é aquele que as responde. No entanto, a regra do jogo determina que aquele que responde não utilize os termos “é, não e porque”.
Um exemplo de execução desse jogo, onde “P” é o jogador que pergunta e “R” é o jogador que responde:
P: Qual seu nome?
R: João.
P: Porque você tem esse nome?
R: Minha mãe quis assim.
P: Mas você não gosta desse nome, né?
R: Sim.
P: Não entendi muito bem, você gosta do nome, é isso?
R: Sim.
P: Ué, você me disse antes que não gostava e agora gosta? Não estou te entendendo.
R: Nem eu.
P: (…)
R: (…)
O jogo só termina quando para algumas das perguntas feitas por “P” o jogador “R” responda usando alguns dos termos proibidos – “é, não e porque”, ou então, se o jogador que deve responder fica mudo e não responde, perdendo o jogo.
Vejamos que curioso o fato de que, mesmo que as respostas e as perguntas sejam absurdas, sem sentido ou mesmo neguem a alguma idéia anterior, isso não é fator que limite que o jogo continue. Ele continuará indefinidamente até que o jogador que responde às perguntas entre em conflito com as regras do jogo.
Mas o que isso tem a ver com Futsal? Devem estar perguntando. Afirmo que o Futsal é um jogo que se assemelha muito ao descrito anteriormente, sobre tudo sobre a importância de dar respostas às ações (perguntas) que os jogadores colocam uns para os outros.
Sob o ponto de vista ofensivo, o Futsal é basicamente um jogo no qual os jogadores atacantes formulam perguntas as quais os próprios jogadores de ataque devem responder de alguma maneira.
E principal, mesmo que a resposta não seja a mais adequada, ou mesmo seja uma resposta errada, o jogo ainda assim continua.
Reposta? Pergunta? Mas quando isso ocorre no jogo?
As “respostas” ofensivas são todas as movimentações sem bola que um jogador realiza em decorrência daquilo que o jogador com bola executa – o que analogamente seria uma pergunta feita por esse jogador que está em posse da bola.
Se um jogador com posse de bola executa uma ação qualquer, ele, de alguma forma está formulando a seguinte pergunta: “Se eu fizer isso, o que vocês fazem?”
Para tornar ainda mais didático, vou utilizar-me de um exemplo prático, diagramado abaixo sob a forma de uma jogada:
FIGURA – O atacante com bola perguntando para o sem bola, aguardando uma resposta
Numa situação como a anterior, observa-se que o jogador com a bola realiza um deslocamento que proporcionará a necessidade de uma resposta defensiva, mas também deve fomentar uma resposta ofensiva.
FIGURA- A resposta da defesa vence à resposta do araque
Vemos, nesse caso, que a defesa soube responder de forma mais eficiente do que o companheiro do ataque, dificultando o jogo ofensivo e equilibrando a ação defensiva enquanto que a resposta ofensiva não foi a mais adequada, pelo fato de concentrar numa mesma região a ação de ambos os atacantes, facilitando o equilíbrio defensivo..
Imaginem, no entanto, que a resposta defensiva e ofensiva para essa simples movimentação seja outra, ilustrada abaixo:
FIGURA- A resposta ofensiva vence a resposta defensiva
Podemos concluir que, de alguma forma, a reposta ofensiva, nessa situação possibilitou um êxito sobre a defesa, sendo a resposta ofensiva mais adequada à situação se comparada à resposta defensiva.
Uma simples situação, de dois contra dois, como a ilustrada acima mostra-nos a grande complexidade que o jogo de Futsal pode ter, quando jogado numa situação de 4×4.
As respostas, no caso do jogo de Futsal e pensando no momento ofensivo do jogo, são conhecidas como “trajetórias”.
Uma trajetória é toda movimentação ofensiva realizada sem bola, com o intuito de gerar a continuidade da ação coletiva, em prol do objetivo de marcar um gol.
Logo, as trajetórias, geralmente, precedem e dependem do deslocamento do jogador que tem a bola em seu domínio, já que a bola é o elemento mais importante do jogo.
As trajetórias, de acordo com estudos e, até mesmo, dados empíricos, não variam para além de trajetórias retas e curvas. Outras variações podem ser os deslizes, principalmente dos jogadores de primeira linha ofensiva (como pivôs e), e também a “não-trajetória” – ou seja, ficar parado, sem se movimentar.
Vejamos então que, para os jogadores que jogam na armação as possibilidades se limitam basicamente a três, deslocar-se em linha reta (não levando em consideração nenhuma referência da quadra, mas apenas o “rastro” deixado pelo jogador que se desloca -, uma trajetória curvilínea e o “não se movimentar” (a não-trajetória), além claro, de suas combinações – curva pra esquerda e curva pra direita, reta na diagonal esquerda e curva para direita, e assim por diante.
Independente de qualquer que seja a resposta do jogador, ele obedecerá a alguma dessas ações.
Logo, para cada ação que um jogador com bola realiza, uma resposta (alguma das citadas acima) acontecerá invariavelmente, querendo o jogador realizar, ou não.
Assim, podem ocorrer respostas adequadas e respostas inadequadas, conforme observamos na figura 2 e 3, que ilustram o atacante se beneficiando ou não de uma resposta dada frente à situação do jogo.
Isso nos mostra a organização sistêmica do jogo de Futsal, afastando-o da característica mecânica.
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Compreendendo o que é um sistema
No caso de uma máquina qualquer, dotada apenas de engrenagens e outros componentes mecânicos, caso uma de suas peças estraguem, não respondendo mais às necessidades da máquina para seu funcionamento, ela pára e só volta a funcionar caso essa peça seja concertada ou trocada.
No caso de um sistema, isso não ocorre. Vejamos por exemplo a atuação situação de nosso eco-sistema. Por mais que estraguemos continuamente nosso meio ambiente, ele não pára para ser reparado, ao contrário, ele se adapta, cria novas emergências, e continua seu ciclo, frente às novas adaptações que ela possui.
Um caso típico, é a extinção de algum animal, que dentro da cadeia alimentar, seja o grande predador de um determinado eco-sistema. Caso ele seja extinto, por algum meio externo a esse eco-sistema, rapidamente, as suas presas irão se multiplicar e modificar todo o equilíbrio que existia dentro desse sistema, mas com o passar do tempo, um novo equilíbrio é atingido. Novos predadores, novas presas e até mesmo uma reorganização de toda hierarquia acaba por acontecer. Um reflexo pode ser, por exemplo, que as caças desse predador extinto, multipliquem-se em demasia, e o alimento dessa antiga presa seja escasso para sua população agora maior que antes. O que poderia ser pensado como algo bom para aquela espécie, na realidade pode ser sua também extinção, por fome.
O Futsal, se comparado a ambos os pontos de vista supracitados, quando analisado sob a ótica das respostas do jogo, se enquadra melhor em qual dos exemplos?
Podemos parar o jogo, caso uma resposta seja mal executada, endireitar as coisas e fazer o jogo novamente acontecer? Se uma resposta for errada, o jogo pára de acontecer?
Ou, mesmo frente a uma resposta errada, a equipe pode adaptar-se e criar uma nova ordem dentro da aparente desordem do jogo? Mesmo que a resposta não seja a mais adequada, não é possível ocorrer adaptações, novas emergências e um novo ciclo de ações ocorrer?
Ora, o jogo é sistêmico. Para uma simples movimentação de algum elemento desse sistema realiza, toda uma nova organização será observada.
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Logo, quanto mais adequadas forem as respostas que os jogadores do ataque fazem perante a uma “pergunta” que o jogador com bola faz, maior serão as chances dela superar as ações defensivas, e vice-versa.
Cada mudança de direção que o jogador com bola realiza, gera novas respostas dos jogadores sem bola.
Dessa forma, jogar sem bola, ou seja, responder de maneira mais adequada àquilo que é perguntado pelo jogador com bola (lembra? “Se eu fizer isso, o que vocês irão fazer como resposta?”) torna maiores as chances de êxito.
Responder adequadamente está diretamente relacionado a:
- Apreciar de maneira crítica a movimentação que o jogador com bola realiza, buscando ocupar espaços vazios e ao mesmo tempo não ocupar o mesmo espaço que outro jogador já ocupa.
- Verificar se algum jogador está vindo ocupar seu espaço na quadra e ocupar um novo espaço, geralmente aquele deixado aberto por ele.
- Observar se seu posicionamento possibilita apoio ao jogador com a bola, para receber um passe.
- Mesmo depois de passar a bola, continuar atento para receber novamente a bola, levando em consideração aquilo que o jogador com bola está fazendo, respondendo à sua movimentação com trajetórias adequadas (ocupando espaços vazios e procurando espaços de fragilidade na defesa adversária)
Com base nesses aspectos, nós professores somos capazes de observar se há boa compreensão quanto à melhor trajetória a ser definida pelo jogador que ataca e também, podemos auxiliar nossos atletas e alunos a melhor compreender a importância de saber jogar sem bola, sempre com respostas prontas para serem dadas em situações emergências do jogo (principalmente, com pressão de tempo para tomar essa decisão).
Costumo dizer para alunos que passam em minhas aulas e treinos: “E aí? Qual é a reposta que você dará ao seu companheiro? Ele se deslocou, e você, como fazer para ajudá-lo?” e os resultados têm sido bastante interessantes.
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