Quando abordo ao falar sobre o ensino do Futsal com base no jogo, como ferramenta pedagógica, isso parece um equívoco, pois a visão sobre o jogo comumente limita-se sobra sua característica de diversão e ludicidade, desprovido de um caráter sério, que para muitos é considerado um elemento essencial para que a aprendizagem seja consumada.
Não questiono que a ausência de seriedade num processo de ensino aprendizagem é algo que minimiza as chances de que a aprendizagem seja assimilada pelos alunos/atletas que se envolvem em nossas aulas.
Logo, admito que para ensinar deve haver seriedade por parte de alunos e professores, pois a atitude séria possibilita maior atenção para que o objeto de aprendizagem seja realmente significado como um conteúdo a ser aprendido.
O jogo, por sua vez, é um elemento típico de liberdade, ludicidade e prazer, caracterizando-se, aparentemente, como algo típico para o relaxamento, a diversão e a livre adesão.
No entanto, trago uma pergunta: Jogar bola nas ruas, garante aprendizagem? Não são raros os relatos de grandes jogadores de diversas modalidades que descrevem as experiências vividas na rua como algo realmente significativo.
João Batista Freire, em sua tese de livre docência escrita no ano de 2001, chamada “Investigações Preliminares sobre o Jogo”, traz reflexões sobre a “Pedagogia da Rua”, mostrando a importância que os jogos de uma chamada “cultura de rua” possuem na formação da inteligência para o jogo.
No livro “Escola da Bola” de Christian Kröger e Klaus Roth, eles destacam que um dos objetivos dessa obra é procurar, de alguma forma, resiginificar de maneira sistematizada as experiências, cada vez menos potencializadas, de prática de jogos de rua, com diversos estímulos de inteligência tática, habilidades e capacidades coordenativas ali vividas com muita intensidade.
Logo, essas e outras experiências e propostas de trabalho fundamentam a capacidade que o jogo possui de gerar aprendizagens.
No entanto, ao observarmos o fenômeno jogo, percebemos que há nele além da presença da ludicidade e alegria, algo aparentemente contraditório: um jogo só é jogo se ele for jogado com seriedade.
Essa frase é que sempre uso como exemplo para demonstrar o quanto o jogo é uma ferramenta pedagógica por excelência, inquestionavelmente.
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“Um jogo só é jogo se ele for jogado com seriedade”
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A seriedade do jogo pode ser observada quando vemos um pequeno grupo de crianças a jogar. Enquanto o jogo, que os diverte e os leva para um mundo suspenso da realidade, se desenrola, existe naquele momento um grande grau de seriedade em jogo.
Há regras a serem respeitadas, há uma divisão equilibrada dos componentes das equipes, pois senão o jogo não tem graça - nem que a divisão da equipe seja o famoso: “eu contra todos”.
Quando a seriedade é deixada de lado, o jogo acaba.
Imaginem um jogo de pega-pega, no qual o jogador que “bate-cara” - ou o pegador do jogo - fica somente guardando caixão?
Logo, na segunda rodada, surge a regra subjetiva: “não vale guardar caixão”. Se na segunda rodada o pegador que bate-cara continua guardando caixão - mesmo que seja outro jogador nessa função - os jogadores perderão o interesse no jogo, pois um dos elementos sérios do jogo - a regra de que não vale guardar caixão - acaba sendo não cumprida e o jogo cai num caráter de desinteresse pelos jogadores, sendo o fim desse processo também o fim do jogo.
Porém, se essa regra passa a ser obedecida por todos os jogadores do jogo, estes podem jogar horas a fio a mesma manifestação sempre com total entrega a ele.
Se pensarmos em jogos de bola, imaginem que existe um grupo está jogando pique-bandeira e no qual um jogador que adentra ao campo adversário tentando pegar a bandeira é tocado, mas não fica congelado, alegando que não foi tocado. Será que o jogo irá continuar? Acredito que após os jogadores discutirem, se não houver acordo entre as partes - algo extremante sério - os jogadores tornam-se agora ex-jogadores, pois ninguém mais se interessará em jogar o pique-bandeira.
Outro exemplo: quando um jogador começa a dar relaxo no jogo - imaginem um jogo de bolas com os pés - seja ele qualquer que imaginemos em que duas equipes procuram marcar pontos umas contra as outras, através da tentativa de atingir a meta adversária com a bola - e um dos jogadores, ao invés de tentar jogar com o obejtivo de marcar pontos, fica apenas tentando jogar a bola entre as pernas do seus advesários? Seus companheiros, tentam jogar com seriedade - eis ela aqui novamente - mas o outro, apenas fica tentando dar firulas e joagr a bola entre as pernas.
E surge a frase: “você está dando relaxo, não jogo mais!”. Quantos não passamos por isso, jogando qualquer jogo que seja. Quando “alguém da relaxo” o caráter da seriedade é deixado de lado, o jogo perde uma de suas principais características. O jogo acaba.
E o maior detalhe de tudo isso é que, na maioria dos jogos de bolas que são criados pelos próprios alunos, não há árbitros, e geralmente, quando há algum ponto que possa acabar com a seriedade do jogo, busca-se o acordo, novamente há seriedade no jogo, logo, há garantia de que o jogo, também lúdico e prazeiroso seja jogado.
Encarar que algo pode ser lúdico e sério, divertido mas com necessidade de comprometimento para existir, parece estranho, não?
Isso ocorre, pois estamos acostumados a encarar os fenômenos de nosso cotidiano numa perspectiva dicotômica, ou seja: “ou é sério, ou é diversão”. Ou seja, ambos não podem caber num mesmo ambiente.
No entanto, o jogo não pode ser compreendido sobre a perspectiva da dicotomia, como destacado a cima, mas sim, encarado dentro de uma perspectiva dialógica (complexa) (MORIN, 2005).
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A dialógica supera a dicotomia e a dialética. Numa perspectiva dialógica, seriedade e diversão podem co-habitar num mesmo fenômeno, no qual, mesmo elementos tradicionalmente antagônicos podem conviver e só graças a essa convivência podem garantir a existência de um determinado fenômeno, como o jogo, por exemplo.
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E é tradicionalmente (dicotomicamente) que encaramos nosso trabalho como professores e, infelizmente, também o esporte (que é um conteúdo a ser ensinado aos nossos alunos e atletas).
Bibliografia
FREIRE, João Batista. Investigações preliminares sobre o jogo. Tese de Livre Docência. Faculdade de Educação Física, Unicamp, Campinas, 2001.
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 1999.
KRÖGER, Christian e ROTH, Klaus. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos. Phorte. 2ª ed. 2005.
MORIN, Edigar. O Método 5: a humanidade da humanidade. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.
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