Hoje, discutiremos, aqui, estratégias aplicadas através de jogos para um momento que, dentro de um bom planejamento de ensino, sempre gera dúvidas e dificuldades de aprendizado: saber jogar defensivamente em zona.
De acordo com um artigo científico que considero trazer uma das maiores contribuições sobre as questões inerentes à inteligência aplicada nos jogos, João Batista Freire (2005) [clique aqui] destaca as diferenças entre “inteligência circunstancial” e “inteligência circunscrita”.
O professor João Batista Freire mostra que mesmo os alunos sabendo explicar as regras de um jogo de perseguição (nunca três) aplicado dentro de uma escola - jogo este vivido sobre duas variações de regra - quando houve uma alteração de regra sobre quem é o fugitivo e quem é o pegador, os alunos cometeram muitos erros aplicados. Isso mostra que a inteligência circunstancial (saber explicar as regras e suas alterações) não pode dar o suporte necessário para que a inteligência circunscrita (a aplicação das ações frente às regras do jogo) se manifestasse com o mesmo grau de acerto, trazendo como conclusão que não basta saber explicar ou verbalizar algo referente ao jogo, pois passa a ser determinante que para jogar bem haja a experiência prática do jogo, com seus constrangimentos realizando frente às decisões do jogador.
Destaco tudo isso pois, ao ensinar em defesa zonal, tendemos, muitas vezes, a explicar de forma “circunstancial” o que é defender em zona aos nossos alunos/atletas, conversando sobre as características, qualidades e fragilidades desse tipo de organização defensiva, exigindo, quase que imediatamente, que o aluno/atleta seja capaz de aplicar seu conceito integralmente na prática, tornando muito pobre o aprendizado ”circunscrito” dos conceitos aprendidos ”circunstancialmente”.
Ora, com base no artigo de Freire (2005), percebe-se que saber entender de forma circunstancial os conceitos da defesa em zona não garantirá, necessariamente, uma aplicação imediata e de forma significativamente correta de todos esses conceitos.
Logo, além das explicações (que não deixam de ser importantes, pois a definição de conceitos junto ao grupo auxiliam na orientação da prática e nas intevenções pedagógicas), devemos, enquanto professores, organizar jogos que ensinem a defender em zona de forma prática, criando problemas de aprendizagem no ambiente específico do jogo (desenvolvendo a inteligência capaz de resolver os problemas do jogo de forma aplicada, portanto, de forma circunscrita ao jogo).
Segue, ao longo deste artigo, três jogos que podem orientar seus alunos/atletas e compreenderem de forma aplicada os princípios da defesa em zona.
Jogo 1. Jogo Conceitual – Touchdown 2×2
Este jogo foi elaborado a partir da matriz de jogo do touchdown, na qual duas equipes se enfrentam e devem proteger uma área, impedindo que os adversários penetrem nessa área com a bola nas mãos e depois toquem com a bola no chão.
Esse jogo, por si só já é um belo exemplo de transferência de aprendizagem que jogos possuem entre si.
No caso em específico, por se tratar de ensino do Futsal, sugiro que o jogo de touchdown possua as regras referentes ao jogo de Futsal (bola no pé , poder driblar e realizar passes entre os colegas).
O que possibilita que esse jogo ensine os conceitos básicos da defesa em zona é principalmente o fato de ser um jogo em que se deve invadir uma área protegida pelos adversários, tornando emitente o confronto corpo a corpo, criando a necessidade de proteger mais o alvo, logo, potencializando uma organização zonal.
Figura 1. Estrutura Básica do Jogo de Touchdown
A partir dessas características, torna-se necessária a ação didática do professor para facilitar o entendimento aplicado da defesa em zona.
Para isso, sugiro que a matriz inicial do jogo seja o 2×2 e que sejam definidas de forma clara 2 zonas distintas para serem defendidas, uma por cada defensor e que como regra inicial não seja permitido que os defensores troquem de zona ou que dois defensores defendam a mesma zona mutuamente. Segue abaixo a figura do jogo a partir dessas
Observe que a divisão das zonas ocorre por meio de cones colocados próximos ás zonas alvos. Além dos cones, pode ser traçada uma linha no centro da quadra, com fita crepe ou giz, que também ajuda os alunos/atletas a se orientarem no jogo.
Observe que na figura a cima existe a limitação no sentido da largura para o deslocamento dos jogadores, limitando-se até o cone central, porém, não há limitação em relação à profundidade na atuação dos jogadores, possibilitando que eles desloquem-se livremente no sentido vertical da quadra.
O conceito de deslocamento em profundidade (verticalizado) deve ser ressaltado quando a atividade está sendo explicada, possibilitando que a “barreirinha” seja substituída por uma ação defensiva ativa em busca da recuperação da posse da bola, mesmo (e principalmente) quando a bola se encontra longe do alvo a ser protegido.
Neste jogo, há o início da assimilação das primeiras noções de defesa em zona, ainda de forma bem estereotipada, é verdade, mas que transforme o conceito discutido de forma “circunstancial” palpável dentro dos aspectos “circunscritos’ do jogo, através de elementos que orientem os alunos/atletas a aplicar o conceito de defesa zona (os cones e a linha são elementos essenciais para a transição do conhecimento da defesa individual e individual com trocas para a defesa zonal).
Jogo 2. Jogo Conceitual – Touchdown 3×3
Esse jogo obedecerá às mesmas características anteriores, porém será jogado em 3×3, criando sobre o jogador do centro uma demanda maior de atenção nas suas ações defensivas, devendo, portanto, todos os jogadores passarem pelo centro para defender.
Jogo 3. Jogo Conceitual em Ambiente Formal – Jogo das Zonas Mescladas 3x(3+Goleiro)
Este jogo pode ser realizado em meia quadra, utilizando as dimensões e marcações oficiais do jogo de Futsal.
Este jogo tem por finalidade iniciar a compreensão de que o conceito de “zona de defesa compartilhada”.
Isso significa dizer que as zonas defensivas possuem intercalações entre si, criando regiões nas quais os defensores que se encontram nas zonas imediatamente ao lado uma da outra são mutuamente responsáveis por defender. Veja a imagem abaixo para melhor compreender esse conceito.
Figura 3. As zonas defensivas compartilhadas
Esse é um dos pontos mais difícieis para a aprendizagem aplicada, pois se trata de um conceito espacial complexo de ser compreendido, mas de grande importância para a aprendizagem do conceito de cobertura e de equilíbrio defensivo, características marcantes das defesas em zona.
Para isso, o jogo de “Zonas Mescladas” pode auxiliar na compreensão espacial aplicada desse conceito defensivo.
Esse jogo deve ser explicado aos alunos em duas etapas.
Inicialmente, deve-se definir uma zona central de defesa, que deve ser marcada com cones de uma mesma cor (aqui será utilizado os cones Vermelhos).
Essa zona de defesa irá se estender lateralmente de um cone ao outro e em profundidade por toda a quadra de jogo, ( o jogo atenderá as matrizes do jogo supracitado Jogo 1. Jogo Conceitual – Touchdown 2×2, limitando o espaço de jogo até a zona central) como mostra a figura abaixo.
Figura 3. Etapa 1 da montagem e explicação do Jogo das Áreas Mescladas
Após compreenderem essa regra, outras duas zonas laterais serão montadas com cores de cones diferentes daquela da zona do centro da quadra (aqui, cones vermelhos e amarelos, nesse caso coloquei as mesmas cores para um melhor entendimento das zonas mescladas, sendo que os jogadores das areas amarelas poderão jogar até a linha tracejada vermelha, assim com mostra a figura 4 b) , havendo uma área intercalada entre as zonas de atuação dessas novas áreas defensivas e a zona do centro da quadra (figura 4).
Figura 4. Etapa 2 da montagem e explicação do Jogo das Áreas Mescladas
Figura 4 b. Etapa 2 da montagem e explicação do Jogo das Áreas Mescladas
Com base nisso, os alunos/atletas compreenderão que a zona “Verde” (centro) entra nas zonas vermelhas e as zonas amarelas entram na zona Verde, criando duas zonas de defesa que devem ser compartilhadas pelos defensores, oferecendo oportunidade de práxis das primeiras noções de cobertura zonal e de equilíbrio defensivo.
Conclusões
A principal preocupação desse artigo foi mostrar a importância de criar estratégias práticas, através de jogos, que estimulem a compreensão de elementos básicos da defesa em zona, substituindo a forma tradicional de ensino da defesa em zona, baseada apenas em explicações verbais e aplicação imediata do conceito em ambiente de jogo formal.
Isso se justifica pelo fato do ensino realizado apenas no plano das ideias e da verbalização ser insuficiente para que a aplicação prática do conteúdo aprendido seja conseguida pelos jogadores (FREIRE, 2005), sendo de grande importancia que a inteligência circunscrita (aplicada, prática) seja desenvolvida através de jogos, criando o suporte pedagógico necessário para que tomadas de decisão inteligentes sejam realizadas em ambiente de jogo.
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Caro Vagner Cardoso,
ResponderExcluirexcelentes as explicações, a progressão e as atividades. Fiquei com uma dúvida: no caso da defesa à zona treinada nestas atividades a prioridade é fechar os espaços e as linhas de passe ou o jogador adversário que adentrar a zona?
Grande Abraço,
Alberto Tenan - Treinamento Futebol.
Caro Alberto, esse post foi baseado em um primeiro contato dos alunos com defesa zona, introduzindo alguns conceitos espaciais, de grande importância para a aprendizagem do conceito de cobertura e de equilíbrio defensivo... se depois de algumas aulas você perceber que seus alunos entenderam bem o conceito espacial de uma defesa zona, poderá acrescentar conceitos taticos... mas nesse caso não foi introduzido nenhum conceito tatico ( fechar linha de passe)
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